Abaixo fiz uma coletânea de pequenos textos que explicam essa linha de relacionamentos não monogâmicos (N.M.), que é chamada de Anarquismo Relacional (A.R.).


NORDGREN, Andie. The short instructional manifesto for relationship anarchy. Tradução de Newton Jr. NM em Foco, 2021.

Trago no começo um texto clássico para iniciar a discussão e ali abaixo um texto meu, para complementar e comparar o Anarquismo Relacional com o Anarquismo Político, onde me encontro e me identifico desde o final do século passado, e que domino mais.

O Manifesto da Anarquia Relacional foi publicado por Andie Nordgren em 2006 e contém os principais fundamentos da sua filosofia de relacionamento.

Essa tradução é uma versão que foi traduzida e adaptada para o inglês por Andie Norgreen, a partir de um folheto sobre a anarquia relacional publicado em sueco com o título “Relationsanarki i 8 punkter”, pela Interacting Arts, em 2006. Disponível em inglês em: http://theanarchistlibrary.org/library/andie-nordgren-the-short-instructional-manifesto-for-relationship-anarchy

O amor é abundante e cada relação é única

A Anarquia Relacional problematiza a ideia de que o amor é um recurso limitado que somente é validado a partir de um casal. Temos a capacidade de amar mais de uma pessoa, e uma relação e o amor envolvido nela não diminui o amor por outras. Não hierarquize e compare pessoas e relações – valorize os indivíduos e as conexões. Não é necessário classificar uma pessoa como principal em sua vida para que a relação seja válida. Cada relacionamento é independente e uma relação entre indivíduos autônomos. 

Amor e respeito ao invés de direitos

Decidir não basear uma relação a partir de uma ideia de direitos é sobre respeitar a independência e autonomia alheia. Seus sentimentos ou história com uma pessoa não lhe conferem o direito de comandar e controlar sua parceria a realizar aquilo que é considerado normal em uma relação. Explore como se envolver sem passar por cima de limites e crenças pessoais. Ao invés de buscar sempre concessões, deixe que as pessoas amadas escolham caminhos que mantenham sua integridade intacta, sem que isso signifique uma crise para as relações. Se manter distante de direitos e obrigações é a única maneira de ter certeza que se está em uma relação verdadeiramente mútua. O amor não é mais “real” quando pessoas se comprometem umas com as outras por isso ser parte do esperado socialmente.

Encontre seu conjunto de princípios relacionais

Como você deseja que as outras pessoas lhe tratem? Quais são seus limites pessoais e expectativas para as relações? Que tipo de pessoa você gostaria de compartilhar a vida e como você deseja que suas relações se organizem? Encontre seu conjunto de princípios relacionais e os aplique para todas as relações. Não crie regras especiais e exceções como uma forma de marcar que o seu amor por alguém é “de verdade”.

O heterossexismo é feroz lá fora, mas não deixe que o medo lhe domine

Se lembre que existe um sistema dominante normativo muito poderoso que define o que o amor verdadeiro é e como as pessoas devem viver. Muitas pessoas irão questionar você e a validade das suas relações quando você não segue as normas. Trabalhe em conjunto com as pessoas que você ama para encontrar caminhos possíveis e burlar o pior das normas problemáticas. Encontre maneiras de se opor e não permita que o medo guie suas relações.

Se prepare para a beleza do inesperado

Ser livre para ser uma pessoa espontânea – poder se expressar verdadeiramente sem medo de punições ou uma noção de “obrigações” sobrecarregada – é o que dá vida a relacionamentos orientados pela Anarquia Relacional. Se organize a partir do desejo de conhecer e explorar uns aos outros – não em deveres, obrigações e se frustrando quando elas não são realizadas. 

“Finja até você conseguir”

Às vezes pode parecer que você precisa ser um super-humano para conseguir lidar com a posição contra-hegemônica envolvida em escolher relações que não se orientam pela norma. Uma ótima dica é a estratégia de “fingir até você conseguir” – quando você estiver se sentindo forte e encorajado, pense em como você gostaria de se ver agir. Transforme isso em direcionamentos e se baseie neles quando as coisas estiverem mais difíceis. Converse e busque suporte com outras pessoas que desafiam as normas e nunca se censure quando a norma lhe pressiona a agir de maneiras que você não gostaria. 

Confiar é melhor

Escolher assumir que sua parceria não lhe deseja mal lhe leva a um caminho muito mais positivo do que uma aproximação desconfiada onde você precisa ser de constante validação por outras pessoas para acreditar que elas estão realmente com você nas relações. Às vezes as pessoas têm tantas coisas acontecendo dentro de si mesmas que não há energia para se aproximar e cuidar de outras. Crie relações em que os momentos de afastamento são apoiados e rapidamente perdoados, e dê às pessoas diversas oportunidades para falar, se explicar e de ser responsáveis nas relações. Se lembre de seus princípios relacionais e também cuide de si!

Mudanças através da comunicação

Para a maioria das atividades humanas existe alguma forma de norma para como elas devem acontecer. Se você deseja divergir desse caminho você precisa se comunicar – caso contrário as coisas tendem a se adequar novamente a norma. Comunicação e ações conjuntas são a única maneira de se romper com isso. Relacionamentos radicais precisam ter o diálogo e a comunicação como centrais – não como algo de emergência usado apenas para resolver problemas. Comunicação em um contexto de confiança. Estamos tão acostumades as pessoas não dizerem realmente o que pensam e sentem – que nós temos que ler nas entrelinhas para entender os reais significados. Mas essas interpretações só podem ser construídas a partir de relações anteriores – geralmente baseadas na norma que desejamos escapar. Perguntem uns aos outros sobre as coisas e sejam explícitos!

Construa artesanalmente seus compromissos

A vida não teria muita forma e significado sem nos unirmos coletivamente para conseguir as coisas – construir uma vida juntes, criar as crianças, ter uma casa ou crescer junto apesar dos pesares. Tais esforços geralmente requerem muita confiança e comprometimento entre as pessoas para funcionar. A Anarquia Relacional não é sobre nunca se comprometer com algo – é sobre construir artesanalmente seus próprios compromissos com as pessoas a seu redor e as emancipar das normas que ditam que certos compromissos são necessários para que o amor seja real, ou que alguns compromissos como criar as crianças ou coabitar precisam ser direcionados por sentimentos específicos. Comece do zero e seja explícito sobre quais compromissos você deseja fazer com as outras pessoas!


Relacionamentos Anárquicos

por Marcelo Venturi, 4 de fevereiro 2023

Contexto: é cada vez mais comum pessoas me chamaram para conversarem sobre formas de relacionamentos Não Monogâmicos – NM, assunto ao qual ainda sou aprendiz, mas estudioso. Segue trecho de uma resposta que dei a uma amiga que queria saber minha opinião e meus medos sobre o tema.

Discordo plenamente que nos relacionamentos NM a dedicação não faz tanto sentido. Acho que isso é uma deturpação da galera que não gosta de assumir responsabilidade afetiva e por isso buscou a NM. É um comportamento que combato dentro do movimento. Primeiro por se aproximar dos relacionamentos líquidos tão criticados por Bauman, algo que sempre abominei. Segundo que, se for comparar com o Anarquismo Político, o AR – anarquismo relacional (linha da NM que venho me identificando) deve promover a responsabilidade afetiva: pois o anarquismo só é viável contra o autoritarismo, contra as autoridades, porque seus membros – os anarquistas – assumem as responsabilidades do que julgam importante.

Na prática politica as pessoas se uniriam para solucionar os problemas (mutualismo). E aqui que entra a beleza da Não Monogamia. Todos cuidam. Todos assumem os cuidados, todos ajudam a solucionar os problemas quando ele acontece, “Ninguém solta a mão de ninguém”.
E isso é bem o contrário do individualismo e egoísmo pregados pelo capitalismo, onde “eu só alimento aquilo e enquanto me dá retorno. Quando não me dá mais lucro: eu descarto“.

E é no mutualismo que o anarquismo inevitavelmente encontra (se torna sinônimo de) o comunismo.

Meu conflito?
Eu ainda não sei me dedicar a mais de uma pessoa, não sei como abraçar e dar conta de muito mais ou com a profundidade que eu gosto de dar ao que me envolvo.

Percebe que frente a isso, o ciúme é algo quase irrelevante? (Pra não dizer infantil e egoísta, mas que ainda estou exercitando a lida, pois tenho meus apegos).

Acho que consegui transmitir bem o que penso. Se algo não ficou claro ou se gerou mais dúvidas, por favor me aponte.

#Anarquia #Anarquismo #Relacionamentos #NM #NãoMonogamia #RLi #RelacionamentosLivres #RelacionamentosAnárquicos #RelacionamentoAnárquico


O que é um Anarquista Relacional?

por @compersao_ – https://www.instagram.com/p/Cs8pEg2NkPx/

Onde vivem? No que acreditam? Como se relacionam?

compersao_ Você já se questionou se a forma como você age dentro de um #relacionamento é a forma como você deseja ou simplesmente é o que a sociedade espera de você?

AnarquistasRelacionais co-criam #relacionamentos baseados em consentimento, honestidade, confiança e comunicação clara. Nós valorizamos os limites e respeitamos a autonomia de todos os envolvidos. Acreditamos no amor infinito.

Nos escolhemos compromissos que respeitam as necessidades individuais e coletivas por livre e espontânea vontade, somos contra acordos coercitivos. Por aqui não existe isso de “se todas as pessoas concordaram, tá tudo bem”. Sabemos que pessoas concordam contra a própria vontade o tempo todo. O que existe é “se existe o desejo real e autentico de se comprometer com isso, ta tudo ótimo”.

Acreditamos que a importância das pessoas em nossa vidas não é ditada pela intimidade física ou por haver um componente romântico ou sexual. Para nós, todos os relacionamentos são importantes, independente do rótulo. O que importa é que a relação deve ser agradável pra todos os envolvidos.

A Anarquia Relacional, diferente do #Poliamor, não se limita a relacionamentos românticos. Ela se aplica a todas as relações, sejam elas platônicas ou não. Ao contrário de outras estruturas de relacionamento, que hierarquizam as relações românticas e/ou sexuais, colocando-as acima das platônicas, a #AnarquiaRelacional rejeita essa hierarquia, sendo, desta forma, uma filosofia bem equipada para acolher pessoas #celibatas,#assexuais e #aromanticas.


A liberdade na Anarquia Relacional é isenta de restrições ou compromissos?

por @compersao_ – https://www.instagram.com/p/Cy31iLcxOh5/

Não posto sobre isso porque eu acho desnecessário defender a Anarquia Relacional dessas suposições equivocadas. Como sempre digo: o manifesto se defende sozinho.

Por exemplo, a noção de que os anarquistas relacionais buscam total liberdade sem levar os outros em conta ignora que isso é simplesmente o oposto de anarquia. Logo, se isso está sendo feito, é tudo, menos anarquia relacional.

Não considerar as necessidades dos outros gera gera hierarquia – outra coisa que a anarquia relacional é contra.

Sim, nós apoiamos a autonomia de cada um para viver livremente. Eu disse de 𝒄𝒂𝒅𝒂 𝒖𝒎, não apenas a de um lado. 𝑫𝒆 𝒕𝒐𝒅𝒐𝒔.

Ninguém mais tem o direito de impor limites ao meu comportamento ou vice versa, a menos que esse comportamento necessite de consentimento de outras partes, é claro.

Minha autonomia vem em primeiro lugar, isso é inegociável. Sou o capitão de meu próprio navio e acho que todos deveriam comandar a própria vida também.

Isso não significa que vou ancorar meu navio em cima dos outros e foda-se. Justamente por ter autonomia, posso escolher evitar ferir os outros quando sei que algo os incomoda. Não porque existe uma norma que diz que “se você ama/namora alguém, não deve fazer x ou y”, mas porque existe uma real preocupação com o cuidado com os outros. Meus limites de conduta são auto impostos com base nesse compromisso.

Minha liberdade vem primeiro e a partir desse lugar posso discernir quais comportamentos podem prejudicar os outros e decidir conscientemente restringir esses impulsos, inclusive quando me gera frustrações e aborrecimentos, pelo bem dos outros.

Seria o que vocês aí chamam daquele termo que odeio e acho perigoso: responsabilidade afetiva, ugh!

Eu chamo isso simplesmente de 𝒂𝒈𝒊𝒓 𝒅𝒆 𝒇𝒐𝒓𝒎𝒂 é𝒕𝒊𝒄𝒂.

Essa ética vai além de simplesmente evitar danos e tretas. Significa querer que os outros prosperem tanto quanto eu. O bem-estar deles contribui para o meu próprio e vice-versa.

Na A.R, a liberdade de um estende, e não limita, a liberdade do outro. É o único conceito de liberdade que eu acredito.


Anarquia Relacional e o Tempo de Qualidade

por Marcelo Venturi, 26 de dezembro 2023

Um princípio muito difundido no meio de Anarquistas Relacionais é de que, como anarquistas, não devemos priorizar ou hierarquizar relacionamentos.

Em torno disso se criam muitas lendas e confusões compreensivas. Exemplo delas:

“- Mas eu tenho um relacionamento de quinze anos que eu adoro, com quem amo estar junto e cuidar, e fazer planos, mas agora que comecei um novo relacionamento preciso dar exatamente a mesma atenção para cada um?”

Esse princípio não se refere ao tempo ou dedicação que se dá para cada relacionamento, e sim para a qualidade do tempo que se dedica para cada um.

O que um sistema anarquista “pregaria” seria nesse sentido: não importa quanto tempo você fica com seu namorado 1, com seu amante 2, com seu melhor amigo ou com seu colega de classe que você admira ou com sua irmã caçula ou filho. O que importa é: esse tempo que você está dedicando para essa pessoa, está de qualidade, você está plenamente com essa pessoa? Ou está ali com a cabeça ao longe? Ou está conversando (ou fazendo outra coisa) com essa pessoa e pensando na outra? SEJA PLENO! Em tudo o que faz.

É normal que novos relacionamentos tragam a empolgação da novidade. É compreensível que nesses momentos queiramos passar mais tempo com essas novas relações (sejam elas afetivas, sexuais, amorosas, fraternais, amizades, profissionais ou o que quiser). Mas lembre que para manter relações vivas, todas necessitam desse tempo de qualidade.

Tem afetos (amigos, amores, …) que encontramos uma vez a cada ano ou a cada dois ou mais anos, mas quando encontramos são momentos muito especiais, inesquecíveis. Isso que importa.
Por outro lado, as vezes ligamos nosso “automático” em relacionamentos afetivos/amorosos/sexuais e esquecemos de prezar a qualidade nos mesmos.

Ao percebermos como lidamos com nossos relacionamentos teremos maiores consciência de nós mesmos, de nossas limitações e alimentaremos o respeito, dedicação, carinho, empatia, espontaneidade. Que assim seja!

Pósfácio: e não tem relacionamentos que DEVEM ser priorizados???

SIM.
Quais relacionamentos que SEMPRE devem ser priorizados em detrimento de outros?

Pessoas que não tem autonomia e dependem de nós – crianças, idosos, portadores de necessidades e/ou limitações e/ou doentes, acamados, também pessoas sem condições financeiras e/ou intelectuais e/ou físicas – para terem total autonomia.

Vale lembrar sempre que o anarquismo (seja relacional ou o político) sempre valoriza a comunicação, a empatia e a solidariedade através da equidade e igualdade. Nenhum item destes está abaixo da importância de qualquer relacionamento. Então sermos compreensivos e solidários com quem mais precisa deve ser nossa prioridade!


LINKS – LEIA TAMBÉM:

Páginas interessantes sobre o assunto, com outras opiniões. Leituras complementares. (Estes links não necessariamente representam as ideias deste autor, apenas complementam ou até contrariam, para que você desenvolva sua própria forma de pensar)

  1. Não-monogamia para transar menos – Quem dá importância demais ao sexo é a monogamia. ALEX CASTRO. 25 DE SET. DE 2023. https://alexcastro.substack.com/p/nao-monogamia-menos-sexo .
  2. Amizades e Não Monogamia. MURILO ARAÚJO. muropequeno. aqui https://www.instagram.com/reel/C1b-emHOays/ ou aqui https://www.instagram.com/reel/C0kW7GpgAYm/ .
  3. Relações Não Mono são inerentemente inseguras. Por Ade Monteiro. https://rcnaomono.medium.com/rela%C3%A7%C3%B5es-n%C3%A3o-mono-s%C3%A3o-inerentemente-inseguras-9857cc63f8d0